"Quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida" (Spe Salvi - Bento XVI)

sábado, 8 de outubro de 2011

Trechos do discurso do Servo de Deus Papa Pio XII aos obstetras italianos, em outubro de 1951

8 de outubro: dia do Nascituro.
Rezemos para que nunca seja aprovado o aborto em nosso Brasil.
Juntos em defesa da vida


Tradução, adaptação e sublinhados nossos
 (original em italiano disponível no site da Santa Sé – www.vatican.va).

Quando se pensa na admirável colaboração dos genitores, da natureza e de Deus, da qual vem à luz um novo ser humano à imagem e semelhança do Criador (cfr. Gn 1, 26-27), como se poderia não apreçar com seu justo valor a cooperação preciosa que vós aportais a tal obra? A heróica mãe dos Macabeus advertia seus filhos: “Eu não sei como crescestes em meu seio; não vos dei o espírito e a vida, nem compus o organismo de nenhum de vós. Então, o Criador do Universo formou o homem na sua origem” (2 Mac 7, 22).

A vossa formação profissional e a vossa experiência vos dão condições de conhecer as ações da natureza e do homem, não menos que as normas e as leis às quais ambas estão sujeitas; a vossa consciência, iluminada pela razão e pela fé, sob a guia da Autoridade por Deus estabelecida, vos ensina até onde se estende a ação lícita e onde, ao invés, estritamente se impõe a obrigação da omissão.

O vosso apostolado profissional se exercita em primeiro lugar por meio da vossa pessoa.

Por que alguém vos chama? Porque está convencido de que vós conheceis a vossa arte; que vós sabeis de que coisa a mãe e a criança têm necessidade; a quais perigos ambos estão expostos; como estes perigos podem ser evitados ou superados. Se espera de vós conselho e ajuda, naturalmente não em modo absoluto, mas nos limites do saber e do poder humanos, segundo o progresso e o estado presente da ciência e da prática na vossa especialidade.

Se tudo isso se espera de vós, é sinal de que existe confiança em vós e essa confiança é, antes de tudo, uma coisa pessoal. A vossa pessoa deve inspirá-la. Que tal confiança não se transforme em desilusão é não somente vosso vivo desejo, mas também uma exigência do vosso ofício da vossa profissão e, portanto, um dever da vossa consciência. Por isso deveis tentar elevar-vos até o ápice da vosso conhecimento específico.

O segundo aspecto do vosso apostolado é o zelo em sustentar o valor e a inviolabilidade da vida humana.

O mundo atual tem urgente necessidade de ser convencido com o tríplice atestado da inteligência, do coração e das ações. A vossa profissão vos oferece a possibilidade de dar um tal atestado e vos é um dever. Às vezes é uma simples palavra oportunamente, e “com tato”, dita à mãe e ao pai; mais freqüentemente ainda toda a vossa conduta e a vossa maneira consciente de agir influenciam discretamente, silenciosamente, sobre eles. Vós estais mais do que outros em condições de conhecer e de apreciar aquilo que a vida humana é em si mesma, e aquilo que esta representa em relação à reta razão, à  vossa consciência moral, à sociedade civil, à Igreja e sobretudo ao olhar de Deus. O Senhor fez todas as outras coisas sobre a terra para o homem; e o homem mesmo, no que se refere ao seu “ser” e à sua essência, foi criado por Deus e não para alguma criatura, apesar de que, quanto ao seu “agir”, é obrigado também em relação à comunidade. Também “homem” é a criança, mesmo se ainda não nasceu, na mesma grandeza e na mesma dignidade da mãe.

Além disso, todo ser humano, também a criança no seio materno, tem o direito à vida imediatamente de Deus, não dos pais, nem de qualquer sociedade ou autoridade humana. Então, não existe ninguém, nenhuma autoridade humana, nenhuma ciência, nenhuma “indicação” médica, eugênica, social, econômica, moral, que possa expedir ou dar um válido título jurídico para uma direta e deliberada disposição sobre uma vida humana inocente, vale dizer uma disposição, que intenta sua destruição, seja como propósito, seja como meio para um outro propósito talvez per se de nenhum modo ilícito. Assim por exemplo, salvar a vida da mãe é um nobilíssimo fim; mas a morte direta da criança como meio para tal fim não é lícita. A direta destruição da assim chamada “vida sem valor”, nascida ou ainda não nascida, praticada há poucos anos em grande escala, não se pode justificar de nenhum modo. Por isso, quando esta prática teve início, a Igreja declarou formalmente ser contrário ao direito natural e divino positivo e, portanto, ilícito, o “matar”, mesmo se por ordem da autoridade pública, aqueles que, mesmo sendo inocentes, por deficiências físicas ou psíquicas, não são úteis à nação, mas tornam-se um fardo. A vida de um inocente é intangível e qualquer atentado direto ou agressão contra ela é violação das leis fundamentais, sem as quais não é possível uma segura convivência humana. Não temos necessidade de ensinar-vos nos pormenores o significado e a importância, na vossa profissão, desta lei fundamental. Mas não esqueçam: acima de qualquer lei humana, acima de qualquer “indicação”, está, indefectível, a lei de Deus.

Infundi no espírito e no coração da mãe e do pai a estima, o desejo, a alegria, o amoroso acolhimento do novo nascido desde o primeiro choro. A criança, formada no seio materno, é um dom de Deus (Sl 127, 3), que lhe confia o cuidado aos pais. Com quanta delicadeza, quanto encanto, a Sagrada Escritura mostra a graciosa coroa dos filhos reunidos em torno à mesa do pai! Esses são a recompensa do justo, como a esterilidade é muitas vezes o castigo do pecador.

Escutais a palavra divina expressa com a insuperável poesia do Salmo: “a tua esposa será como vida exuberante no íntimo da tua casa e teus filhos como mudas de oliveira em torno à tua mesa. Assim é abençoado o homem que tem a Deus!” (Sl 128, 3-4). Ao invés, acerca da maldição está escrito: “a tua posteridade seja largada ao extermínio, à próxima geração seja extinto até o nome” (Sl 109, 13).

Desde o nascimento, apressai-vos – como faziam já os antigos romanos – a colocar a criança nos braços do pai, mas com um espírito incomparavelmente mais elevado. No caso dos romanos era a afirmação da paternidade e da autoridade que o justificava; aqui é a homenagem de gratidão para com o Criador, a invocação da bênção divina, o empenho de assumir com devoto afeto a função que Deus lhe delegou. Se o Senhor louva e premia o servo fiel por ter feito frutificar cinco talentos (cfr. Mt 25, 21), qual elogio, qual recompensa reservará ao pai, que custodiou e levantou para Ele a vida humana que lhe foi confiada, superior a todo o ouro e a toda a prata do mundo?

O vosso apostolado, no entanto, se dirige sobretudo à mãe. Sem dúvidas a voz da natureza fala nela e lhe põe no coração o desejo, a alegria, a coragem, o amor, a vontade de cuidar do bebê, mas, para vencer as sugestões da covardia em todas as suas formas, aquela voz tem necessidade de ser reforçada e de receber, por assim dizer, um acento sobrenatural. Compete a vós fazer desfrutar à jovem mãe, menos com as palavras que com toda a vossa maneira de ser e agir, a grandeza, a beleza, a nobreza daquela vida, que se desperta, se forma e vive no seu ventre, que dela nasce, que ela carrega nos seus braços e nutre em seus seios; de fazer resplandecer aos seus olhos e no seu coração o grande dom de amor de Deus por ela e por seu filho. A Sagrada Escritura vos faz entender com múltiplos exemplos o eco das orações suplicantes e depois dos cantos de agradecida alegria de tantas mães, finalmente ouvidas, depois de ter longamente implorado com as lágrimas a graça da maternidade. Também as dores que, depois do pecado original, a mãe deve sofrer para dar a luz ao seu filho, só servem para estreitar ainda mais o vínculo que os une; ela o ama tanto mais, quanto mais lhe custa dor. Isto exprimiu com comovente e profunda simplicidade Aquele que plasmou o coração das mães: “A mulher, quando parturiente, está em dor, porque é chegada sua hora; mas, quando deu à luz a criança, não se lembra mais da angústia por causa do júbilo pelo nascimento de um homem ao mundo” (Jo 16, 21).  Também o Espírito Santo, pela caneta do Apóstolo São Paulo, mostrou sua grandeza e a alegria da maternidade: Deus doa à mãe a criança, mas, no que doa, a faz cooperar efetivamente com o desabrochar da flor cuja semente havia colocado em suas vísceras, e esta cooperação se torna uma via que a conduz à sua eterna salvação. “Se salvará a mulher pela geração dos filhos” (1 Tm 2, 15).

Este perfeito acordo da razão e da fé vos dá a garantia que vós estais na plena verdade e que podeis prosseguir com incondicionada segurança o vosso apostolado de estima e de amor pela vida nascente. Se vós exercitais este apostolado no berço em que chora o neonato, não vos será muito difícil obter aquilo que a vossa consciência profissional, em harmonia com a lei de Deus e da natureza, vos impõe de prescrever para o bem da mãe e da criança.

Não temos, de resto, necessidade de demonstrar a vós, que tendes a experiência, quanto seja hoje indispensável este apostolado da estima e do amor pela nova vida. Infelizmente não são raros os casos em que o “falar”, ainda que somente com um leve aceno, dos filhinhos como de uma bênção, basta para provocar contradição ou talvez também escárnio. Muito mais freqüentemente domina a idéia e a palavra do grave “peso” dos filhos. Como esta mentalidade é oposta ao pensamento de Deus e à linguagem da Sagrada Escritura, e também à reta razão e ao sentimento da natureza! Se existem condições e circunstâncias, em que os pais, sem violar a lei de Deus, possam evitar a bênção dos filhos, todavia estes casos de força maior não autorizam a perverter as idéias, a desprezar os valores e a vilipendiar a mãe que teve a coragem e a honra de dar a vida.

Se o que falamos até agora refere-se à proteção e à custódia da vida natural, ainda mais deve valer para a vida sobrenatural, que o neonato recebe com o batismo. Na presente economia não existe outro meio para comunicar esta vida à criança que não tem o uso da razão. E, todavia, o estado de graça no momento da morte é absolutamente necessário para a salvação; sem ele não possível  alcançar a felicidade sobrenatural, a visão beatífica de Deus. Um ato de amor pode bastar ao adulto para conseguir a graça santificante e suprir a falta do batismo: ao “não-nascido ainda” e ao neonato esta via não está aberta. Se, então, se considera que a caridade para com o próximo impõe de assisti-lo em caso de necessidade; que esta obrigação é tanto mais grave e urgente, quanto maior é o bem que se procura ou o mal que se evita, e quanto menos o necessitado é capaz de ajudar-se e salvar-se por si mesmo; agora é fácil de compreender a grande importância de providenciar o batismo de uma criança, privada de qualquer uso da razão e que se encontra em grave perigo ou caminhando para morte certa. Sem dúvidas, este dever compete em primeiro lugar aos pais, mas em casos de urgência, quando não há tempo a perder ou não é possível chamar um sacerdote, cabe a vós o sublime ofício de conferir o batismo. Não deixem de prestar este serviço de caridade e de exercitar este ativo apostolado na vossa profissão. Possa ser para vós  de conforto e encorajamento a palavra de Jesus: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão misericórdia” (Mt 5, 7). E que misericórdia imensa e bela é assegurar à alma da criança – entre o limiar da vida que acaba de cruzar e o limiar da morte que está prestes a passar – a entrada na gloriosa e beatíssima eternidade!”.


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