"Quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida" (Spe Salvi - Bento XVI)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Sobre festas e compromissos sociais

Escrevi este texto em julho de 2010. Todavia, somente agora surgiu oportunidade para publicá-lo e compartilhar com quem possa se interessar. Paz e Bem da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo! 

Enquanto cidadãos, inseridos na sociedade secular, não podemos nos esquivar de todos os compromissos sociais.  Viver em santidade não requer, propriamente, uma vida de eremita. Como membros da humanidade, somos partícipes da vida quotidiana com suas lutas e conquistas temporais e chamados a viver em comunidade. Se fosse necessário retirar-se do convívio dos semelhantes para levar uma rotina virtuosa, não teríamos tantos santos casados, reis, príncipes, escravos e médicos além de muitos monges, padres, bispos e papas. Estes “cidadãos do céu” levaram ao mundo o brilho de suas vidas dedicadas a Cristo e através de sua obediência, fidelidade e testemunho, tornaram-se meios concretos de evangelização e instrução na fé para suas gerações e para outras futuras. Os cristãos devem levar seu comportamento ao mundo para evangelizar. Evidentemente, isto não diminui em nada a importância de fugir do pecado e evitar, quanto mais seja possível, os ambientes e situações que possam colocar em risco nossa conduta reta e evidenciar nossas misérias e fragilidades.

Particularmente emblemáticos são os bailes de formatura dos tempos modernos. Freqüentemente somos convidados a comparecer em eventos desta natureza por familiares e amigos próximos e, quase sempre, recusar-se a comparecer pode parecer antipático demais.

Houve um baile de formatura de uma turma de medicina em minha cidade para o qual fui convidado e resolvi comparecer por consideração a alguns amigos e novos colegas profissionais. Irei descrever resumidamente o que aconteceu naquela oportunidade e que me parece suficientemente adequado para servir de exemplo para tantas outras festividades que se nos apresentam como compromissos sociais.

Cada detalhe de uma festa deste tipo representa um pouco da degradação moral da sociedade em que vivemos. Os convites trazem uma informação importante em relação ao traje exigido para a festa: passeio completo. Aqueles que contrariam esta normativa e se apresentam sem a vestimenta adequada são, literalmente, “barrados no baile”. Sim, a maneira que os convidados devem estar vestidos constitui, muitas vezes, uma exigência dos organizadores. Argumentam que é necessária esta etiqueta por se tratar de um baile de gala. É paradoxal e espantoso, pelo menos para mim, o estado desfigurado com que chegam ao final da festa, a maioria daqueles que inicialmente vestiam-se impecavelmente. Em poucas horas, o glamour de um grupo de pessoas aparentemente ordeiras transforma-se num amontoado de maltrapilhos. As moças com suas maquiagens prejudicadas, os pés descalços e os vestidos batidos. Os rapazes sem o paletó, com as gravatas nos bolsos, os cabelos despenteados. Ora, neste momento final, estavam eles certamente mais destratados do que aqueles que foram impossibilitados de participar porque não se vestiam com a fineza exigida na chegada

No começo, tão logo chegam, os elegantes convidados são ciceroneados até a mesa preparada para cada formando. Assentam-se comportadamente por um instante e iniciam uma breve prosa enquanto degustam os quitutes e bebidas fartamente oferecidos. Em poucos minutos, no entanto, este primeiro momento de confraternização é interrompido abruptamente pelo início do show no salão. No palco se apresenta uma banda que toca vários estilos musicais. Eles variam desde músicas infantis até funk e axé. As pessoas começam a incorporar, então, o verdadeiro espírito da festa. Dirigem-se dirigem aos barris de chopp, pedem ao barman que prepare as mais diferentes e inovadoras batidas, e procuram beber freneticamente, homens e mulheres. Não raramente, adolescentes e pré-púberes com um copo de vodka ou caipirinha nas mãos compartilhando ou não com suas mães. Um clima de euforia passa então a tomar conta da multidão que se aglomera no salão de dança e se atropela dançando e vibrando em êxtase total. É um espetáculo de luzes e cores, bebidas e batidas, danças e movimentos, gritos e risos incontidos, abraços e suspiros, “caras e bocas”, sons de todos os tipos e um clima, de fato, inebriante. Solteiros e pessoas desacompanhadas esquecem qualquer tipo de decoro ou formalidade e partem em busca de um flerte para a noite. Moças beijam rapazes que até então eram meros desconhecidos em presença da família de ambos sem que isto cause qualquer escândalo ou desconforto. Muitas vezes, ainda, não se contentam com apenas um “ficante” e trabalham para buscar outros beijos e afagos. Tudo isto acontece num contexto em que, dizem alguns, a fraternidade e alegria predominam.

Nas músicas, cujos ritmos entorpecentes colaboram para o clima que se cria, as letras invariavelmente trazem apelos ao sexo e àquilo que se pode definir como “curtição”. Disfarçadamente, mulheres casadas trocam olhares com homens que lhes chamam a atenção e a recíproca é ainda mais verdadeira. 

Tentar ficar à parte deste processo e fugir deste carpe diem pode ser muito difícil ou mesmo impossível. Os amigos te cobram, desesperadamente, que você se embriague junto com eles, dance de forma livre e desprendida, corteje todas as mulheres que puder. E o cristão, acuado, sem ter a opção de sentar-se à mesa por uns instantes sem que seja perturbado, pode-se ver obrigado a praticar uma verdadeira “liturgia do corpo”. Mantendo-se em movimento, andando bastante, estampando um sorriso no rosto, cantando as músicas que souber, cumprimentando calorosa e repetidamente os amigos e segurando um copo de bebida (pode ser até refrigerante mesmo) para manter as mãos ocupadas, pode se livrar, pelo menos parcialmente, das exigências acima enumeradas.

A definição de alegria, o sentido de amor, a noção de felicidade está distorcida de uma forma dramática. A subversão completa da ordem, a degradação moral e perda da intelectualidade são consideradas, de forma quase dogmática, como o modelo de uma vida agradável e correta. Não raramente, no fim da festa, ouvem-se músicas que trazem o nome de Deus, como é corriqueiro. Este deus, que não é o Deus da Igreja Católica, é o deus que está na consciência de cada um, criado por cada um com as características que melhor lhe aprouverem. As pessoas dão a deus uma face diferente a cada dia e em cada coração este “amor” ecoa diferente. Pensando celebrar um único Deus, estas pessoas estão na verdade cultuando uma nova religião politeísta em que uma partícula divina está impressa em cada qual de forma única e irrepetível como se deus fizesse parte do DNA. Um deus que não determina regras e sim obedece. Um Deus que se adapta a todos os caprichos em favor da felicidade, entendida como o somatório simples de alguns momentos efêmeros de êxtase. Se houverem mil pessoas, haverão mil deuses diferentes, sendo um para cada um; um deus de estimação.

Tiro uma lição importante. Se possível, não se deve comparecer a nenhuma festa deste tipo sem a namorada (ou esposa). Juntos, os cristãos podem tornar o ambiente mais suportável tendo-se, um ao outro, como argumentos para ficarem no meio da festa, mas longe do “espírito” dela. Juntos, eles podem, por exemplo, ir embora mais cedo, sem chatear ninguém, quando o clima já for intolerável. Se for para ir sozinho, estou convencido de que não vale à pena. Percebo que a antipatia gerada é a mesma em qualquer dos casos: se eu me recusar a ir; se eu for embora mais cedo; ou se não participar da forma como eles querem. Se não há maneira de agradar, é preferível não comparecer que abrir mão de ser feliz buscando os únicos e cada vez mais estreitos caminhos que podem levar a isso, por Jesus Cristo, Nosso Senhor.


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