"Quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida" (Spe Salvi - Bento XVI)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Viver com esperança

Transcrevo abaixo uma carta que enviei há algum tempo a uma pessoa que, afastada da Igreja, sem fé, estava vivendo um pouco triste, desanimada e sem motivação. Penso, porém, que pode ser útil e como que endereçada a muitas outras pessoas que se encontrem nessa situação.

Crer ou não crer? Esta pode ser uma difícil e polêmica questão. Imaginemos, no entanto, o caminho de um ateu e um cristão nesta vida, sob a perspectiva de suas crenças.



Se o ateu tem razão e, de fato, Deus não existe e Jesus não é o Salvador, o que acontecerá com os dois após a morte? Terão o mesmo destino. Assim, tudo o que o cristão renunciou em vida, o trabalho que teve em favor da evangelização e da caridade, as lutas contra as tentações, os sofrimentos que passou... tudo isto terá sido em vão. E o ateu, que buscou o prazer e a curtição em cada minuto também terá chegado ao fim da estrada e será consumido pelo tempo e pela terra.

Neste cenário, em que Deus não existe, fico a me perguntar qual a solução para alguém que passa por sofrimentos? Uma vida de canseiras, de tristezas, desilusões, duros golpes, perdas, sufoco, dificuldades... aonde podemos achar motivos para viver assim? Se no fim, o destino será a morte mesmo, por que e para que continuar vivendo? É por isso que os ateus, quando muito sofrem, preferem dar fim à vida e terminam se suicidando. Abreviam a morte que apenas lhe trará o fim de um sofrimento sem sentido. Se, por outro lado, vivem uma vida de luxo, de posses, de festejos, de diversão, de passeios, de alegrias, fazem todo o possível para viver sempre mais e chegam até a congelar seus corpos esperando que a ciência um dia possa trazê-los de volta a vida. Só assim eles amam a vida.

Mas e se a crença do cristão for verdadeira? Aí, neste caso, o ateu terá o fim que esperava mesmo e o cristão encontrará o caminho diferente que tanto procurou. Aí o sofrimento terá valido a pena.

Formulo então uma questão. O que é melhor: acreditar ou não? Eu prefiro acreditar e viver com esperança!

Partindo da existência de Deus, podemos agora tratar da Esperança. Usarei, então, as palavras de Bento XVI na bela Carta Encíclica Spe Salvi, 2007. É tudo o que eu quero te dizer.

Paulo lembra aos Efésios que, antes do seu encontro com Cristo, estavam sem esperança e sem Deus no mundo (Ef 2,12). Naturalmente, ele sabe que eles tinham seguido deuses, que tiveram uma religião, mas os seus deuses revelaram-se discutíveis e, dos seus mitos contraditórios, não emanava qualquer esperança. Apesar de terem deuses, estavam “sem Deus” e, consequentemente, achavam-se num mundo tenebroso, perante um futuro obscuro. « In nihil ab nihilo quam cito recidimus » (No nada, do nada, quão cedo recaímos) diz um epitáfio daquela época; palavras nas quais aparece, sem rodeios, aquilo a que Paulo alude. Ao mesmo tempo, diz aos Tessalonicenses: não deveis “entristecer-vos como os outros que não têm esperança” (1 Ts 4,13). Aparece aqui também como elemento distintivo dos cristãos o fato de estes terem um futuro: não é que conheçam em detalhe o que os espera, mas sabem em termos gerais que a sua vida não acaba no vazio. Somente quando o futuro é certo como realidade positiva, é que se torna vivível também o presente. Sendo assim, podemos agora dizer: o cristianismo não era apenas uma boa nova, ou seja, uma comunicação de conteúdos até então ignorados. Em linguagem atual, dir-se-ia: a mensagem cristã não era só « informativa », mas « performativa ». Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova.
(...)

Chegou o momento, porém, de nos colocarmos explicitamente a questão: para nós, hoje a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta a nossa vida? Para nós aquela é « performativa » – uma mensagem que plasma de modo novo a mesma vida – ou é simplesmente « informação » que, entretanto, pusemos de lado porque nos parece superada por informações mais recentes? Na busca de uma resposta, desejo partir da forma clássica do diálogo, usado no rito do Batismo, para exprimir o acolhimento do recém-nascido na comunidade dos crentes e o seu renascimento em Cristo. O sacerdote perguntava, antes de mais nada, qual era o nome que os pais tinham escolhido para a criança, e prosseguia: « O que é que pedis à Igreja? ». Resposta: « A fé ». « E o que é que vos dá a fé? ». « A vida eterna ». Como vemos por este diálogo, os pais pediam para a criança o acesso à fé, a comunhão com os crentes, porque viam na fé a chave para a « vida eterna ». Com efeito hoje, como sempre, é disto que se trata no Batismo, quando nos tornamos cristãos: é não somente um ato de socialização no âmbito da comunidade, nem simplesmente de acolhimento na Igreja. Os pais esperam algo mais para o batizando: esperam que a fé – de que faz parte a corporeidade da Igreja e dos seus sacramentos – lhe dê a vida, a vida eterna. Fé é substância da esperança. Aqui, porém, surge a pergunta: Queremos nós realmente isto: viver eternamente? Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa desejável. Não querem de modo algum a vida eterna, mas a presente; antes, a fé na vida eterna parece, para tal fim, um obstáculo. Continuar a viver eternamente – sem fim – parece mais uma condenação do que um dom. Certamente a morte queria-se adiá-la o mais possível. Mas, viver sempre, sem um termo, acabaria por ser fastidioso e, em última análise, insuportável. É isto precisamente que diz, por exemplo, o Padre da Igreja Ambrósio na sua elegia pelo irmão defunto Sátiro: « Sem dúvida, a morte não fazia parte da natureza, mas tornou-se natural; porque Deus não instituiu a morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça ».  Antes, Ambrósio tinha dito: « Não devemos chorar a morte, que é a causa de salvação universal ».

Independentemente do que Santo Ambrósio quisesse dizer precisamente com estas palavras, é certo que a eliminação da morte ou mesmo o seu adiamento quase ilimitado, deixaria a terra e a humanidade numa condição impossível e nem mesmo prestaria um benefício ao indivíduo. Obviamente há uma contradição na nossa atitude, que evoca um conflito interior da nossa mesma existência. Por um lado, não queremos morrer; sobretudo quem nos ama não quer que morramos. Mas, por outro, também não desejamos continuar a existir ilimitadamente, nem a terra foi criada com esta perspectiva. Então, o que é que queremos na realidade? Este paradoxo da nossa própria conduta suscita uma questão mais profunda: o que é, na verdade, a « vida »? E o que significa realmente « eternidade »? Há momentos em que de repente temos a sua percepção: sim, isto seria precisamente a « vida » verdadeira, assim deveria ser. Em comparação, aquilo que no dia-a-dia chamamos « vida », na verdade não o é. Agostinho, na sua extensa carta sobre a oração, dirigida a Proba – uma viúva romana rica e mãe de três cônsules –, escreve: no fundo, queremos uma só coisa, « a vida bem-aventurada », a vida que é simplesmente vida, pura « felicidade ». No fim de contas, nada mais pedimos na oração. Só para ela caminhamos; só disto se trata. Porém, depois Agostinho diz também: se considerarmos melhor, no fundo não sabemos realmente o que desejamos, o que propriamente queremos. Não conhecemos de modo algum esta realidade; mesmo naqueles momentos em que pensamos tocá-la, não a alcançamos realmente. « Não sabemos o que convém pedir » – confessa ele citando São Paulo (Rm 8,26). Sabemos apenas que não é isto. Porém, no fato de não saber sabemos que esta realidade deve existir. « Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância » (docta ignorantia) – escreve ele. Não sabemos realmente o que queremos; não conhecemos esta « vida verdadeira »; e, no entanto, sabemos que deve existir algo que não conhecemos e para isso nos sentimos impelidos.

Penso que Agostinho descreve aqui, de modo muito preciso e sempre válido, a situação essencial do homem, uma situação donde provêm todas as suas contradições e as suas esperanças. De certo modo, desejamos a própria vida, a vida verdadeira, que depois não seja tocada sequer pela morte; mas, ao mesmo tempo, não conhecemos aquilo para que nos sentimos impelidos. Não podemos deixar de tender para isto e, no entanto, sabemos que tudo quanto podemos experimentar ou realizar não é aquilo por que anelamos. Esta « coisa » desconhecida é a verdadeira « esperança » que nos impele e o fato de nos ser desconhecida é, ao mesmo tempo, a causa de todas as ansiedades como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem verdadeiro. A palavra « vida eterna » procura dar um nome a esta desconhecida realidade conhecida. Necessariamente é uma expressão insuficiente, que cria confusão. Com efeito, « eterno » suscita em nós a idéia do interminável, e isto nos amedronta; « vida », faz-nos pensar na existência por nós conhecida, que amamos e não queremos perder, mas que, frequentemente, nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal maneira que se por um lado a desejamos, por outro não a queremos. A única possibilidade que temos é procurar sair, com o pensamento, da temporalidade de que somos prisioneiros e, de alguma forma, conjecturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria. Assim o exprime Jesus, no Evangelho de João: « Eu hei-de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria » (16,22). Devemos olhar neste sentido, se quisermos entender o que visa a esperança cristã, o que esperamos da fé, do nosso estar com Cristo.

Por fim, transcrevo também um trecho da Encíclica Fides et Ratio, de João Paulo II:

A necessidade de um alicerce sobre o qual construir a existência pessoal e social faz-se sentir de maneira premente, principalmente quando se é obrigado a constatar o caráter fragmentário de propostas que elevam o efêmero ao nível de valor, iludindo assim a possibilidade de se alcançar o verdadeiro sentido da existência. Deste modo, muitos arrastam a sua vida quase até à borda do precipício, sem saber o que os espera.

Despeço-me desejando que Nossa Senhora te ajude a encontrar um caminho no qual a Esperança seja substancial. Somente dando “substância” à esperança é que podemos encontrar motivos permanentes ou pelo menos promessas de felicidade plena que nos ajudam a enfrentar esta vida de canseiras, sem precisar recorrer a ilusões certamente passageiras. A fé é a prova daquilo que não vemos e a substância daquilo que esperamos. É necessário ter fé. 

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