"Quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida" (Spe Salvi - Bento XVI)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Serviço de Verificação da Fé

Traduzido e adaptado do blog do escritor católico italiano Aldo Maria Valli
Entro na igreja. Ponho-me a recitar o Rosário em latim. Aproxima-se de mim um senhor, que diz:
- Se eu fosse você, evitaria.
Eu o olhei e perguntei:
- E o senhor, quem é?
- Um padre
- Um padre?
– Sim.
– E por que não se veste como um padre?
– Oh! Não se usa mais isso. Devemos ser acolhedores.
– E o senhor não pode acolher vestido de padre?
– Você gosta de fazer graça, eh?
– Não estou fazendo graça!
– No entanto, não será que você está rezando o rosário contra os imigrantes, como fizeram na Polônia...
– Na verdade eu o estou rezando pelas almas do Purgatório.
– Purgatório?
– Sim. Por quê?
– Está seguro que exista?
– O que?
– O Purgatório.
– Claro que sim!
– Bem, eu não estaria assim tão seguro.
– Em que sentido?
– Herança medieval... O Deus Juiz, o castigo. Pouca misericórdia. Quem somos nós para julgar?... E, aliás, por que o latim?
– Porque me agrada.
– E por que te agrada?
– Porque faz com que eu me sinta mais próximo de Deus.
– Uhm…
– Que foi?
– Eu não estaria assim tão seguro.
– De que?
– Que o latim aproxime de Deus.
– Mas não é o latim em si. É o latim enquanto idioma do sagrado.
– Sagrado?
– Sim.
– Uhm…
– O que foi agora?
– Eu não estaria assim tão seguro.
– De que?
– Do que você diz sobre o sagrado.
– Como assim?
– O Sagrado... ideia velha. Não há necessidade de estar em um lugar ou de exprimir-se de certo modo.
– Está bem, como queira! Posso continuar a recitar meu Rosário?
– Ok, faça. Mas…
– Que foi dessa vez?
– Está seguro?
– Do que?
– Das palavras que diz.
– Com certeza!
– Mesmo quando diz o Pai Nosso?
– Lógico que sim!
– Uhm…
– O que foi?
– Mas naquele tempo nem havia um gravador. Como você pode estar seguro?...
– Escuta, eu quero somente rezar o Rosário.
– Está bem, mas se eu fosse você...
– O que foi?
– Eu o recitaria em voz baixa.
– Mas por que?
– Talvez pensem que você é polonês …
– Mas, por favor! Quer me deixar em paz?
– Paz?
– Sim! Em paz. Obrigado.
– Uhm…
– O que houve agora?
– Um verdadeiro cristão está sempre inquieto …
– Escuta, amigo... Tenho pouco tempo e quero muito terminar.
– Ah, o tempo! Não sabe que o tempo é superior ao espaço?
– Mas o que está dizendo?
– Não sou eu que digo…
– Joia, como quiser. Todavia, agora vou rezar o Rosário.
– Em latim?
– Sim, como já expliquei.
– Olha... Sabe, eu não gostaria...
– De que?
– Que depois pensassem que você é um tradicionalista. Além de polonês...
– Olha, não me importa nada disso, me chamem do que quiserem.
– Fica feliz mesmo assim …
– Certo, feliz.
– Até se …
– O que?
– Em nome do zelo pastoral...
– Ahn?
– Eu deveria... eu deveria denunciar você enquanto tradicionalista.
– Mas o que você está dizendo?
– Contudo eu serei misericordioso…
– E?…
– E te dou um conselho de amigo: melhor não ficar de joelhos.
– E por quê?
– De joelhos fica o fariseu, o hipócrita.…
– Mas quem disse isso?
– Eh! As prescrições …
– Mas que prescrições!? Estou de joelhos porque eu quero estar. É devoção!
– Devocionalismo, eu diria …
– Faça-me o favor!
– Amigo, fale mais baixo. Não dê escândalo.
– Ah! Essa é boa! Eu crio escândalo …
– Claro! Com essas práticas do passado. Enquanto tudo muda! Atenção para os sinais dos tempos. Tudo requer discernimento!
– Bravo! Faça seu discernimento. Enquanto isso eu digo o Rosário.
– E assim você se sente bem, eh?
– Não me sinto bem. Sinto-me melhor.
– Sim, com aquela cara de pimentão no vinagre!
– Mas como você fala uma coisa dessas?
– Alegre-se! Devemos ser alegres! E vocês, ao invés, viram profetas de desventuras.
– Profeta de desventura será o senhor!
– Aí, está vendo? Aí está a típica agressividade do tradicionalista!
– Eu não sou agressivo. Estou só cansado de tantos absurdos!
– Ah! Aí está a dureza de coração…
– O senhor está louco!
– Você não sabe que o cristão é um mensageiro da Misericórdia?
– Vá embora!
– Homem da alegria! Este é o cristã! Não um intolerante e fundamentalista…
– Não sou intolerante! E sou fundamentalista no sentido que tenho no coração as coisas fundamentais! E quero somente rezar o Rosário!
– Falta discernimento, é claro…
– O senhor é realmente incrível …
– Eis o cristão de salão…
– Mas que salão!??
– Sim, de salão: fechado, rigorista...
– Não sou fechado! Eu me torno quando encontro gente como o senhor!
– Já basta... Você quer passar por fervoroso e pensa somente em si mesmo. Sepulcro caiado…
– Ó Meu Deus, ajudai-me!!!
– Que está falando?
– Rezo ao Senhor para que me ajude. Que me dê força e me defenda!
– De que?
– De mandar-lhe para aquele lugar!
O homem sorriu e deu uma leve piscada de olhos. Depois disse:
– Bravo! Teste encerrado.
– Como? Não entendo?
– Você superou a prova à qual te submeti. Nós sempre fazemos isso.
– Vocês…?
– Sim, nós da SVF.
– SVF?
– Serviço de Verificação da Fé. Fazemos perguntas e avaliamos. Mas agora continue a rezar e perdoe-me pelo incômodo
Não soube o que responder. Fiquei sem palavras e me limitei a sussurrar:
– Bom... Obrigado.
O homem sorriu. O seu rosto agora me parecia luminoso. Disse:
– Ah! Ia me esquecendo: aqui está o certificado.
E me entregou uma pequena imagem. Representava São Miguel Arcanjo, defensor da fé. Com uma baita espada.
Voltei-me para agradecer a ele, mas... ele desapareceu.


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