"Quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida" (Spe Salvi - Bento XVI)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Dos escritos de Santa Teresa do Menino Jesus

Extraído do livro "História de uma Alma - manuscritos autobiográficos", pp. 97 a 100.

Meu coração, sensível e amoroso, facilmente se teria rendido, caso deparasse com um coração capaz de compreendê-lo... Tentei ligar-me a meninas de minha idade, principalmente a duas entre elas. Tinha-lhes amor, e elas por sua vez me amavam tanto, quanto eram capazes de fazê-lo. Mas que lástima! Como é mesquinho e violável o coração das criaturas!!!... Não demorei a perceber que o meu amor era incompreendido. Uma de minhas amigas precisou procurar a família, e voltou alguns meses depois. Durante sua ausência, pensava nela e guardava cuidadosamente um anelzinho que me dera. Quando tornei a ver minha companheira, grande foi minha alegria, mas não obtive, ainda mal, senão um olhar indiferente... Meu amor não fora compreendido. Percebi-o, e não mendiguei uma afeição que me era negada. O Bom Deus, porém, deu-me um coração tão leal que, amando com pureza, ama para sempre. Por isso, continuei a rezar pela minha companheira, e ainda lhe tenho afeição... Ao ver que Celina queria bem a uma de nossas mestras, quis imitá-la, mas não pude consegui-lo, pois não sabia conquistar as boas graças das criaturas. Ó ditosa ignorância! Como me livrou de grandes males!...

Quanto não agradeço a Jesus de me fazer encontrar só "amargura nas amizades da terra"! Como um coração como o meu, deixar-me-ia seduzir e cortar as asas. Como poderia, então, "voar e repousar" (Sl 54,7)?. Como pode unir-se intimamente a Deus, um coração entregue à afeição das criaturas?... Tenho o sentimento de que não é possível. Sem beber da taça envenenada do amor por demais ardente das criaturas, sinto em mim que não é possível estar enganada. Vi tantas almas que, seduzidas por essa falsa luz, esvoaçaram como míseras mariposas e queimaram suas asas. Depois, volveram-se à verdadeira e meia luz do amor. Esta lhes deu novas asas, mais brilhantes e mais ligeiras, a fim de poderem voar para junto de Jesus, Fogo Divino, "que arde sem se consumir" (Ex 3,2 e São João da Cruz, Chama viva de amor).

Ah! eu o sinto, Jesus conhecia-me como fraca demais para me expor à tentação. Talvez, deixar-me-ia queimar toda inteira pela luz enganadora, se a visse fulgurar diante dos olhos... Não aconteceu assim. Só encontrei amargura, onde almas mais robustas deparam com alegria, e desta se desfazem por fidelidade. Não tenho, portanto, nenhum mérito em me não ter entregue ao amor das criaturas, uma vez que só fui preservada pela grande misericórdia do Bom Deus!... Reconheço que, sem ele, poderia cair tão baixo como Santa Madalena. E com grande doçura ecoa em minha alma a profunda palavra de Nosso Senhor a Simão... Eu o sei, "menos AMA aquele a quem menos se perdoa" (Lc 7,47). Mas, não ignoro também que a mim Jesus perdoou mais que a Santa Madalena, pois me perdoou por antecipação, porquanto me impediu que caísse. Oh! pudera explicar o que sinto!... Dou aqui um exemplo que traduzirá um pouco meu modo de pensar. - Suponho que o filho de um entendido doutor depare no caminho com uma pedra, que o faz cair e fraturar um membro. De pronto lhe acorre o pai, ergue-o com amor, pensa-lhe as feridas, aplicando todos os recursos de sua arte. E o filho, completamente curado, logo lhe testemunha sua gratidão. Não resta dúvida, o filho tem todo o motivo de querer bem ao Pai! Farei, contudo, outra suposição ainda.

- Sabendo que no caminho do filho se encontra uma pedra, o pai apressa-se em tomar a dianteira, e remove-a, sem que ninguém o veja. O filho, por certo, objeto de seu previdente carinho, não TENDO CONHECIMENTO da desgraça, da qual o pai o livrara, não lhe mostrará gratidão, e ter-lhe-á menos amor do que se fora curado por ele... Mas se vem a conhecer o perigo, do qual acaba de escapar, não o amará mais? Ora, tal filha sou eu, objeto do amor previdente do Pai, que enviou seu Verbo para resgatar não os justos, mas os pecadores (Mt 9,13). Quer que o ame, porque me perdoou, não digo muito, mas TUDO. Não esperava que eu muito o amasse, como Santa Madalena, mas quis que SOUBESSE como me amou com um amor de inefável previdência, a fim de que agora o ame até a loucura!... Ouvi dizer que se não encontra alma pura mais amorosa do que uma alma arrependida. Oh! Quem me dera desmentir esta afirmação!...

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