"Quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida" (Spe Salvi - Bento XVI)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Igreja proibiu os banhos na Idade Média?

Noutro dia, durante uma aula de língua italiana, a professora, natural da região de Treviso, Itália, ensinou para a classe que em seu país natal, o hábito de tomar banhos sofreu uma grande influência negativa por parte do catolicismo. Prova disso, segundo ela, é que na região somente há pouco tempo se difundiu o costume de utilizar o chuveiro, ao que se chama lá fare la doccia. Antes da chegada do chuveiro, as famílias tinham à disposição um banheira que utilizavam para lavar o corpo, originando a expressão fare il bagno.

Questiona pelos alunos, a professora observou ainda que a Igreja, durante o período medieval, proibiu os banhos, que eram considerados pecados graves. Segundo ela, as pessoas podiam se lavar somente duas vezes em toda a vida, por ocasião do nascimento e da morte próxima. E acrescentou que isso se pode achar em qualquer livro de história geral e até se ensina nas aulas de religião nas escolas italianas.

Resolvi, então, pesquisar a veracidade dessas informações. Solicitei o auxílio de alguns irmãos mais doutos do que eu através de uma lista de discussões no Yahoo Groups, chamada “Tradição católica e contra-revolução”. Foram tantas as respostas e tantas as fontes bibliográficas citadas que, ao invés de citar uma a uma, resolvi resumir tudo em algumas linhas para facilitar.

De fato, no início da era cristã, havia um costume bastante difundido em Roma de usar locais públicos para tomar banho. Nestes locais, reuniam-se homens e mulheres nus ou seminus para se lavarem. A isto se conhecia como “banhos públicos” e era costume social.

A Igreja não demorou em perceber que os banhos públicos eram às mais das vezes ocasiões próximas de pecado. Por essa razão, a maioria dos padres e bispos admoestaram os cristãos contra essa prática. Com o passar do tempo, na medida em que a sociedade foi-se cristianizando progressivamente, a prática dos banhos públicos viu-se bastante reduzida. Salvo engano, São Jerônimo advertia que mesmo as mulheres não deveriam tomar banhos conjuntamente, dado que uma mais maliciosa ou experiente poderia compartilhar com a outra, conversas e contatos indevidos.

Outra preocupação da Igreja é com relação ao uso do banho para o simples prazer. Desde sempre os cristãos preocuparam-se com a prática de sólidas virtudes e com o senhorio de Deus sobre todas as coisas criadas. Do mesmo modo que tomar os alimentos para satisfazer aos prazeres da carne e ocasionar deleite configura o pecado da gula, também os banhos podem produzir semelhantes prazeres desordenados e, deste modo, tornam-se moralmente maus.

É bom lembrar, no entanto, que o ato mesmo de tomar banho, no sentido de higiene corporal, nunca foi condenado pela Igreja católica e nem recomendados, por outro lado. Isso porque é um ato moralmente indiferente, ou seja, não é nem bom nem mau. Pode tornar-se bom ou mau, entretanto, dependendo das intenções e circunstâncias em que é praticado.

Prova de que a prática de lavagem do corpo ou banho era comum mesmo entre os clérigos é o encontro de banheiras em mosteiros construídos no tempo da Cristandade. Todavia, em algumas ordens religiosas, segundo consta, os monges resolveram instituir uma regra de tomar banho apenas duas vezes por ano, sendo uma no Natal e outra na Páscoa. Esta regra, contudo, tinha caráter de penitência e mortificação e nunca foi aplicada à vida dos fiéis em geral. Adicionalmente, o simples fato de que a abstenção de banhos era considerada uma forma de penitência pode demonstrar que os banhos eram mais freqüentes do que podemos pensar.

Com o chamado Renascimento, quando a sociedade começou a virar as costas para a Igreja, se difundiram costumes anti-higiênicos. Além disso, também a peste bubônica, epidemia que se alastrou por toda a Europa dizimando grande parte da população, causou confusão e transtornos, mesmo entre os médicos que, desconhecendo a forma de transmissão (nem sequer se conheciam os microorganismos), passaram a recomendar a diminuição do número de banhos, pensando que com isso a transmissão da doença seria menor.

O que deve ficar claro, no final das contas é que a Igreja católica não considera e nem considerou nunca o banho, com a finalidade de limpar a pele, como pecado ou desordem moral. Na verdade, o modo com que os banhos eram tomados, isto é, em público e sem separação de sexos, ou então, demoradamente a fim de produzir prazer, é que tornava o ato imoral. A Igreja cultivou mesmo entre os clérigos a prática do banho, como demonstram mesmo a arquitetura medieval dos mosteiros. Somente alguns religiosos evitavam o banho, mas não por motivo de pecado, mas apenas para mortificação e penitência. Essa é mais uma lenda negra com que se tenta diminuir o brilhantismo da gloriosa história do cristianismo.

Um comentário:

  1. Parabéns pela matéria. Os mitos são inúmeros e o povo anda na ignorância.

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