Já faz tempo, é notícia atrasada. Para quem já leu esse texto, escrito por um intelectual agnóstico, vale a pena reler. Para quem não leu, não deixem de ler. É bem interessante.
Extraído do jornal L'Osservatore Romano, logo depois da JMJ Madrid de 2011.
Publicamos a tradução do comentário à Jornada mundial da juventude de Madrid, escrito pelo prêmio Nobel para a literatura de 2010, publicado em «El País» de domingo 28 de Agosto.
Foi bonito o espectáculo de Madrid invadida por centenas de milhares de jovens vindos dos cinco continentes para participar na Jornada mundial da juventude, presidida por Bento XVI, que durante vários dias transformou a capital espanhola numa apinhada Torre de Babel. Todas as raças, línguas, culturas e tradições se misturaram numa enorme festa de adolescentes, estudantes, jovens profissionais vindos de todos os recantos da terra para cantar, dançar, rezar e proclamar a sua adesão à Igreja católica e a sua «dependência» do Papa (Somos adictos a Benedicto, «Somos dependentes de Bento», foi um dos slogans mais recorrentes).
Com excepção daquele milhar de pessoas que desmaiaram no aeroporto Cuatro Vientos devido ao calor cruel e precisaram de assistência médica, não houve inconvenientes e nem sequer grandes problemas. Tudo transcorreu em paz, em alegria, num clima de simpatia geral. Os madrilenos enfrentaram com espírito desportivo os contratempos provocados pelas enormes multidões que paralisaram Cibeles, a Gran Via, Alcalá, a Puerta del Sol, a Plaza de España e a Plaza de Oriente, e as pequenas manifestações contra o Papa da parte de leigos, anárquicos, ateus e católicos rebeldes provocaram episódios de pouca importância ou, alguns até grotescos, como quando um grupo de exasperados lançou preservativos a algumas adolescentes que, animadas por aquilo que Rubén Darío chamava «um branco terror de Belzebu», recitavam o rosário de olhos fechados.
Há duas leituras possíveis deste grande acontecimento que «El País» definiu «o maior encontro de católicos na história da Espanha».
A primeira vê nele um festival, mais de superfície que de importância religiosa, onde os jovens de meio mundo aproveitaram o ensejo para viajar, fazer turismo, divertir-se, conhecer outras pessoas e viver alguma aventura: a experiência intensa mas passageira de umas férias de Verão. A segunda interpreta-o como uma clara negação das previsões de um atraso do catolicismo no mundo de hoje, como a prova de que a Igreja de Cristo conserva a sua força e a sua vitalidade, que a barca de são Pedro atravessa, sem correr perigos, as tempestades que a queriam fazer afundar.
Uma destas tempestades tem como cenário a Espanha, onde Roma e o governo de Rodríguez Zapatero se embateram com frequência nos últimos anos e mantêm relações tensas. Com efeito, não é por acaso que Bento XVI já visitou este país várias vezes, três delas durante o seu pontificado. Pois ao que parece a «Espanha católica» já não o é tanto como no passado. As estatísticas são bastante explícitas. Em Julho do ano passado, cerca de 80% dos espanhóis declaravam-se católicos; um ano depois, só 70%. Entre os jovens, 51% consideram-se católicos, mas apenas 12% afirmam que praticam a religião de modo constante, enquanto o restante só o faz esporadicamente ou por motivos sociais (por ocasião de casamentos, baptizados, etc.). As críticas dos jovens fiéis — praticantes e não praticantes — à Igreja concentram-se sobretudo na oposição desta última ao uso de anticoncepcionais e da pílula do dia seguinte, à ordenação das mulheres, ao aborto e à homossexualidade.