"Quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida" (Spe Salvi - Bento XVI)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

De mãos dadas em direção ao reino dos céus

Já faz tempo, é notícia atrasada. Para quem já leu esse texto, escrito por um intelectual agnóstico, vale a pena reler. Para quem não leu, não deixem de ler. É bem interessante.

Extraído do jornal L'Osservatore Romano, logo depois da JMJ Madrid de 2011.



Publicamos a tradução do comentário à Jornada mundial da juventude de Madrid, escrito pelo prêmio Nobel para a literatura de 2010, publicado em «El País» de domingo 28 de Agosto.


Foi bonito o espectáculo de Madrid invadida por centenas de milhares de jovens vindos dos cinco continentes para participar na Jornada mundial da juventude, presidida por Bento XVI, que durante vários dias transformou a capital espanhola numa apinhada Torre de Babel. Todas as raças, línguas, culturas e tradições se misturaram numa enorme festa de adolescentes, estudantes, jovens profissionais vindos de todos os recantos da terra para cantar, dançar, rezar e proclamar a sua adesão à Igreja católica e a sua «dependência» do Papa (Somos adictos a Benedicto, «Somos dependentes de Bento», foi um dos slogans mais recorrentes).


Com excepção daquele milhar de pessoas que desmaiaram no aeroporto Cuatro Vientos devido ao calor cruel e precisaram de assistência médica, não houve inconvenientes e nem sequer grandes problemas. Tudo transcorreu em paz, em alegria, num clima de simpatia geral. Os madrilenos enfrentaram com espírito desportivo os contratempos provocados pelas enormes multidões que paralisaram Cibeles, a Gran Via, Alcalá, a Puerta del Sol, a Plaza de España e a Plaza de Oriente, e as pequenas manifestações contra o Papa da parte de leigos, anárquicos, ateus e católicos rebeldes provocaram episódios de pouca importância ou, alguns até grotescos, como quando um grupo de exasperados lançou preservativos a algumas adolescentes que, animadas por aquilo que Rubén Darío chamava «um branco terror de Belzebu», recitavam o rosário de olhos fechados.


Há duas leituras possíveis deste grande acontecimento que «El País» definiu «o maior encontro de católicos na história da Espanha».


A primeira vê nele um festival, mais de superfície que de importância religiosa, onde os jovens de meio mundo aproveitaram o ensejo para viajar, fazer turismo, divertir-se, conhecer outras pessoas e viver alguma aventura: a experiência intensa mas passageira de umas férias de Verão. A segunda interpreta-o como uma clara negação das previsões de um atraso do catolicismo no mundo de hoje, como a prova de que a Igreja de Cristo conserva a sua força e a sua vitalidade, que a barca de são Pedro atravessa, sem correr perigos, as tempestades que a queriam fazer afundar.


Uma destas tempestades tem como cenário a Espanha, onde Roma e o governo de Rodríguez Zapatero se embateram com frequência nos últimos anos e mantêm relações tensas. Com efeito, não é por acaso que Bento XVI já visitou este país várias vezes, três delas durante o seu pontificado. Pois ao que parece a «Espanha católica» já não o é tanto como no passado. As estatísticas são bastante explícitas. Em Julho do ano passado, cerca de 80% dos espanhóis declaravam-se católicos; um ano depois, só 70%. Entre os jovens, 51% consideram-se católicos, mas apenas 12% afirmam que praticam a religião de modo constante, enquanto o restante só o faz esporadicamente ou por motivos sociais (por ocasião de casamentos, baptizados, etc.). As críticas dos jovens fiéis — praticantes e não praticantes — à Igreja concentram-se sobretudo na oposição desta última ao uso de anticoncepcionais e da pílula do dia seguinte, à ordenação das mulheres, ao aborto e à homossexualidade.


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sobre o carnaval - Cardeal Eugenio Sales

Dom Eugenio Sales
Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro
Extraído do site Pastoralis, datado de 2009.
 
O Padre Antônio Vieira, em seu Sermão da Sexagésima, pronunciado na Capela Real de Lisboa, em março de 1655, classifica pregadores e ouvintes. E nesse sermão, denominado também “Sobre a Palavra de Deus”, ele prefere se incluir na categoria dos que desagradam os fiéis por lhes apresentar, nos sermões, a Doutrina católica na sua integridade. Diz ele: “Que médico há que repare no gosto do enfermo, quando trata de lhe dar saúde? Sarem, e não gostem; salvem-se, e amargue-lhes, que para isso somos médicos das almas”.

Um tema, frequentemente ausente nas homilias da missa e em outras oportunidades, é a penitência, a necessidade da mortificação, o dever da ascese. Alguns católicos, dada a atmosfera reinante, poderão até se admirar que eu aborde o assunto, porquanto sua estrutura espiritual se encontra profundamente deformada. Esses e outros, que fazem ouvidos moucos às candentes invectivas bíblicas na matéria, detestam ouvir tratar da importância da abstinência, do jejum, de sua exigência em tempo quaresmal e em cada sexta-feira do ano. Em todas as sextas-feiras do ano? Perguntarão, surpresos. Sim, respondo eu. Ou melhor, está bem elencado no cânon 1251, do Código de Direito Canônico.

As razões de tamanha modificação na vida cristã moderna são várias, como a secularização, o subjetivismo, a contestação. Abordemos duas outras.

A primeira é o ambiente hedonista que respiramos, que se transformou em critério de comportamento ou sinal de veracidade. Tudo o que restringe o gozo dos sentidos é desprezado. Tenta-se justificar o impossível, com a ajuda de falsos guias espirituais: viver um cristianismo sem os sacrifícios da obediência a um corpo doutrinal ou isento de renúncias. Esquecem-se das palavras do Mestre: “Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). O mesmo ocorre com as diretrizes de São Paulo, eco da pregação do Evangelho. Aos gálatas, ele escreve: “Os que são de Cristo, crucificaram a carne com as suas paixões e apetites” (5,24). E sua recomendação aos filipenses guarda, em nossos dias, toda a sua atualidade e valor: “Porque há muitos por aí que se portam como inimigos da cruz de Cristo (...) o seu fim é a perdição, pois (...) só cuidam do que é terreno” (3,18-19).

A segunda razão desse abastardamento é a falsa interpretação das normas conciliares. O Vaticano II aperfeiçoou o conceito de penitência, dando ênfase à identificação com o Cristo. As privações, os sofrimentos e outros atos, sem serem desvalorizados, assumiram mais o papel de meio para alcançar a necessária semelhança com o Senhor. Tal diretriz faz desaparecer aquela casuística que insistia mais no acidental que no essencial. Igualmente, foi dada mais liberdade na escolha do modo, mas não no cumprimento do dever, em si mesmo. Infelizmente, muitos entenderam “alterar” como suprimir a ascese que entrou em recesso para muitas pessoas que se declaram fiéis à Igreja.

Em 17 de fevereiro de 1968, foi publicada a Constituição Apostólica “Poenitemini”, sobre a “Disciplina Eclesiástica Penitencial”, que permanece em vigor, sendo excelente fonte de fundamentação e normas práticas nessa matéria. Começa assim: “Fazei penitência e crede no Evangelho: estas palavras do Senhor parece-nos devermos repeti-las hoje”. Passados poucos anos do encerramento do Concílio, o Papa Paulo VI já sentia esse drama que, no fundo, é uma traição à nossa Fé. Muitos cristãos cederam ao espírito do mundo.

As advertências não faltaram. O novo Código de Direito Canônico, deu uma estruturação jurídica à observância da penitência. Os cânones 1251 e 1253, legislando para a Igreja universal, deixam aos Bispos locais, reunidos em conferência episcopal, o direito de determinar a maneira de satisfazer esta obrigação do Evangelho, ao mesmo tempo que reafirmam a necessidade de a penitência marcar toda a vida do cristão.

O Episcopado brasileiro se manifestou na época sobre a matéria e aguardou a indispensável decisão da Santa Sé. Com data de 30 de outubro de 1986, de acordo com o Decreto da Congregação para os Bispos, o presidente da CNBB promulgou a Legislação Complementar ao Código de Direito Canônico, no que se refere aos cânones 1251 e 1253. Ei-la: 1º: “Toda sexta-feira do ano é dia de penitência, a não ser que coincida com solenidade do calendário litúrgico. Os fiéis, nesse dia, se abstenham de carne ou outro alimento, ou pratiquem alguma forma de penitência, principalmente obra de caridade ou exercício de piedade”. 2º: “A Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa, memória da Paixão e Morte de Cristo, são dias de jejum e abstinência. A abstinência pode ser substituída pelos próprios fiéis por outra prática de penitência, caridade ou piedade, particularmente pela participação, nestes dias, na Sagrada Liturgia”.

O texto, por sua clareza, dispensaria maiores comentários elucidativos. Entretanto, desejo sublinhar que as sextas-feiras de todo ano, ordinariamente, são dias de penitência. Os fiéis têm bastante liberdade de escolher o modo, a maneira e não o exercício da ascese.

Nestes dias de carnaval, que se aproximam para desagravar o Coração de Jesus, dolorosamente ofendido pelos desregramentos morais praticados, e às vésperas do início da Quaresma, torna-se muito oportuno este esclarecimento e o apelo à penitência.

No momento em que o mundo põe o prazer sem referência à lei moral num pedestal de falsa divindade, o cristão, embora minoria, deve cumprir, com maior afinco sua missão de fermento do Bem e luz nas trevas, em um mundo enlouquecido.

Termino retomando palavras do grande pregador Padre Antônio Vieira, no final de seu célebre Sermão da sexagésima (1655): “Veja o céu que ainda tem na terra quem se põe da sua parte. Saiba o inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a palavra de Deus; e saiba a mesma terra, que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto: ‘Et fecit fructum centuplum’, ‘cem por um’”.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Um discurso para recordar: do deputado Jeronymo Sodré, pela abolição da escravidão

Jeronymo Sodré era um médico católico baiano, tento sido o primeiro a se pronunciar na Câmara favoravelmente à abolição da escravatura, segundo o Professor Hermes Vieira (em "Princesa Isabel: uma vida de luzes e sombras").


No discurso, além da escravidão, ele aborda questões da educação pública, do casamento civil e da liberdade religiosa. Vale a pena a leitura. Consegui esta cópia do discurso através do atendimento virtual da Câmara dos Deputados. Fica o registro de que fui muito bem e prontamente atendido.


O discurso também é importante para lembrar que a doutrina da Igreja católica sempre condenou a escravidão e foram os católicos os primeiros a manifestar-se pela abolição. A assinatura mesma da Lei Áurea deu-se por uma grande católica, a Princesa Isabel, cujo processo de beatificação foi aberto recentemente pela Arquidiocese do Rio de Janeiro. Para muitos, a assinatura da Lei Áurea veio a custar-lhe o trono brasileiro.


Seguem alguns trechos do discurso, exatamente como registrados, na memorável Sessão de 5 de março de 1879. Tentei atualizar o português.


Primeiro, depois de falar sobre ensino público e casamento, começa uma pequena discussão sobre liberdade religiosa na casa. O sr. Joaquim Nabuco é um dos que se manifesta. Num dado momento, ele (Jeronymo Sodré) dá uma resposta que lembra bastantes os textos do Vaticano II sobre a questão:


"Penso que não temos nada a recear da liberdade da fé: sou daqueles que entendem, que quanto mais liberdade houver, mais a religião católica há de crescer, porque é a verdadeira."


Interessante notar a observação do sr. Antonio de Siqueira na sequência: "O romanismo condena isto".


Ora, não se assemelha à nossa recente e espinhosa discussão sobre liberdade religiosa após o Concílio Vaticano I? Os críticos dizem que os textos do Concílio estariam em total desacordo com o Magistério precedente. A questão não parece ser tão nova assim.


Passemos agora ao nosso tema, lendo as palavras de Jeronymo Sodré (os destaques e adaptações são meus):


"Chego, sr. Presidente, à fase, porventura mais difícil para mim, do myrrhado discurso que tenho pronunciado. (Não apoiados). Desde verdes anos, ainda frequentava os bancos da faculdade e já as idéias de liberdade de todos os indivíduos me assaltavam o espírito.



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ainda sobre os pecados veniais

Compartilho interessante artigo que me foi sugerido pelo amigo Luiz Fernando, e que retiro do ótimo blog A Grande Guerra.

A GRAVIDADE DO PECADO VENIAL


Entre os hebreus usavam-se duas sortes de pesos e de balanças. Havia o chamado peso do Santuário, que era verdadeiro e justo; e o chamado peso público, que era falso e injusto.

Ora, com duas sortes de balanças se pesam também os pecados dos homens.

Se se pesam na balança pública do mundo, que é mentirosa e falaz (Prov 11, 1), dir-se-á que o pecado mortal não é coisa de valor, e que o venial, como leve que é, não tem nenhuma importância. Mas esse modo de pensar já o lamentava Santo Antônio de Pádua em seu tempo (Dom. 4 post Trin.).

Os Santos, porém, e as almas iluminadas pela fé, pesam o pecado venial com a balança do Santuário, e por isso, o choravam e detestavam de morte.

Santa Catarina de Gênova quase morria ao considerar a gravidade do pecado venial; e São Luís Gonzaga [em sua primeira confissão] caiu desfalecido aos pés do confessor, depois de confessar suas levíssimas culpas.

São João Crisóstomo chegou a dizer que lhe parecia que se deviam evitar com mais cuidado os pecados veniais que os mortais. E dá a razão: os pecados mortais por sua natureza repelem [a alma justa]; porém, os veniais, por isso mesmo que são leves, não amedrontam, e se cometem facilmente.

Meditemos, pois, sobre o pecado venial, para nos enchermos de um grande temor de o cometer. Dividiremos a meditação em três pontos:

I.O que é o pecado venial;
II. Os danos que causa à alma;
III. Como Deus o castiga.

Ah! Meu Deus, meu divino Samaritano, eu, pelos meus pecados veniais, me encontro ferido e despojado dos bens sobrenaturais, e só me encontro com a vida da graça. Tende compaixão de mim, curai a minha alma de tantos pecados veniais. Curai-me com o óleo das Vossas divinas inspirações, e com o vinho do Vosso amor fortificai a minha vontade para me levantar, e começar a viver uma vida mais fervorosa.

I. O que é o pecado venial